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Capítulo 14

Aspetos neuropsicológicos

COMO É O PERFIL NEUROCOGNITIVO DO DOENTE COM DISTROFIA MUSCULAR DE DUCHENNE?

P. Duque San Juan

A DMD apresenta, por vezes, uma perturbação neurocognitiva. Essa perturbação neurocognitiva não é focal, ou seja, normalmente não apresenta perturbação a nível do processamento cognitivo da informação (memória, perceção, cognição espacial), de acordo com o modelo NEF (neuropsicologia funcional), ou das funções mistas (praxias, linguagem, etc.)1. O que é mais commumente referido na literatura científica e na nossa própria investigação e prática clínica são os défices neurocognitivos (como memória de trabalho, inibição ou atenção) e também, um tema-chave, os défices na eficiência cognitiva.

Tanto a memória de trabalho como a atenção ou a inibição são nucleares para cognição, ou seja, são essenciais e manifestam-se constantemente nas tarefas. Os doentes com DMD têm demonstrado, em diferentes estudos, um pior desempenho em tarefas com uma maior carga de memória de trabalho ou em alguns aspetos que envolvem a atenção2,3. Este facto faz com que muitos doentes tenham um pior desempenho em tarefas com mais carga e em funções como a memória declarativa ou as erradamente designadas funções executivas (planeamento, organização, etc.).

Na investigação realizada pelo autor e a sua equipa, em conjunto com o Serviço de Neuropediatria do Hospital Universitário Virgen del Rocío4, encontramos um desempenho deficitário nos doentes com DMD, em comparação com os controlos saudáveis da sua idade e escolaridade, em testes como o ENFEN (Avaliação Neuropsicológica das Funções Executivas em Crianças), FEX (Conjunto de provas neuropsicológicas para avaliação das funções executivas)5, Five Digit Test e outros. Este estudo foi, de facto, muito relevante ao salientar a diferença entre eficácia e eficiência cognitiva. Os doentes, por exemplo, tiveram um desempenho igualmente bom, em comparação com os controlos saudáveis, em testes como o desenho de uma figura complexa. No entanto, se considerarmos a fórmula «acertos menos erros a dividir pelo tempo», as diferenças foram tão marcadas que atingiram uma significância estatística de 0,007.

Por outro lado, os doentes com DMD e mutações localizadas na região distal do gene da distrofina (envolvendo a isoforma Dp140) foram geralmente piores nos resultados dos testes do que os doentes com DMD e mutações localizadas na região proximal do gene da distrofina (não envolvendo a isoforma Dp140), o que foi comprovado em vários estudos6-8.

Em conclusão, parece que os doentes com DMD têm défices neurocognitivos a nível da atenção, inibição ou memória de trabalho, com influência secundária nas funções executivas ou noutras funções. O ponto-chave, na minha opinião e tendo em consideração as conclusões da literatura científica e a experiência clínica, é a perda da eficiência cognitiva, ou seja, a capacidade de o doente de «ser eficaz» mas «às custas» do aumento do esforço, do tempo e redução da facilidade cognitiva.

QUE TESTES NEUROCOGNITIVOS DEVEM SER REALIZADOS NO DOENTE DMD?

P. Duque San Juan

Existem vários testes neurocognitivos. É um facto. Mas o ponto-chave para responder a esta pergunta é o que queremos explorar e quais são os melhores marcadores cognitivos. Os testes neurocognitivos não são sobre nada em particular. Por outras palavras, não são «apenas» sobre atenção ou «apenas» sobre memória «apenas» sobre linguagem. Para se resolver um teste, é necessário ativar múltiplas funções cognitivas. Dependendo daquelas que «falham», assim será a semiologia. O ponto-chave, então, é a semiologia.

Contudo, nos diferentes estudos que têm sido realizados em doentes com DMD, têm sido utilizados testes muito diferentes, tais como: Escala de desenvolvimento infantil Bayley III (BAYLEYIII), Corsi, Teste de dígitos, Memorização de textos, Rey Auditory Verbal Learning Test, Figura complexa de Rey, Teste de aprendizagem espacial, Teste de Função Verbal e Categórica, Trail Making Test (TMT), Teste Neuropsicológico de Torre de Londres, Teste de memória facial, Matrizes progressivas do Raven, SDMT (Symbol Digit Modalities Test), PASAT (Paced Auditory Serial Addition Test), Teste de Stroop, etc.8,9.

Se quiséssemos organizá-los, categorizá-los, fá-lo-íamos basicamente da seguinte forma:

No entanto, na exploração neurocognitiva de crianças com DMD, deve-se ter cuidado na escolha dos testes mais sensíveis. Não encontramos propostas consensuais específicas. A nossa proposta seria a seguinte:

Devemos ter sempre em conta não apenas os marcadores quantitativos diretos, mas também fórmulas como as definidas na eficiência cognitiva de NEF: precisão (acertos e erros), autocorreções, tempo. Os testes não devem, portanto, ser limitados no tempo: o tempo é uma variável essencial na exploração.

Por outro lado, para a escolha dos testes, dever-se-ia dividir as crianças naquelas com menos de quatro a seis anos de idade e naquelas com mais de quatro a seis anos de idade. Os testes escolhidos como testes gold-standard na DMD são os apresentados na tabela 1.

Tabla 1. Testes escolhidos na distrofia muscular de Duchenne como testes gold-standard

Até aos 3 anos e 6 meses

Escala de desenvolvimento infantil Bayley III (BAYLEYIII)

Dos 3 anos e 6 meses até aos 5 anos de idade

Avaliação neuropsicológica infantil II (NEPSYII)

Dos 6 até aos 15 anos de idade

Conjunto de provas neuropsicológicas para avaliação das funções executivas (FEX)

Escala de Inteligência de Wechsler NãoVerbal (WNV)

A partir dos 15 anos de idade

Definir de acordo com a prática clínica

Como em tudo, estes testes poderiam ser substituídos por outros testes, mas claramente teriam de incidir em tarefas que revelassem os pontos essenciais: memória de trabalho, atenção, inibição e funções executivas (resolutivas).

QUAIS AS RECOMENDAÇÕES PARA O APOIO PSICOLÓGICO A NÍVEL ESCOLAR/FAMILIAR NA DMD?

I. Zschaeck Luzardo

Ouvir pela primeira vez a notícia de um diagnóstico é uma combinação de momentos, palavras, imagens e sentimentos que permanecem para sempre gravados na memória, especialmente nos casos de DMD, uma patologia progressiva, incapacitante, (ainda) incurável que limita a esperança de vida. Compreender e integrar as mudanças associadas no desenvolvimento da criança e expetativas para o futuro é um processo de assimilação que pode demorar dias, meses e anos e que requer apoio e orientação a vários níveis10.

A notícia abre uma porta para o desconhecido e desencadeia uma enxurrada de perguntas que os pais querem ver respondidas: Como será o seu futuro? Como poderá receber os melhores cuidados? De que forma será diferente das outras crianças? A doença vai-lhe afetar o desempenho escolar? Como e quando lhe explicaremos a doença?

Recomendações

A maioria dos estudos sobre a adaptação à doença afirma que crianças com DMD e os seus pais aprendem a gerir os aspetos motores relacionados com a fraqueza muscular de forma muito eficaz e competente15, enquanto as dificuldades comportamentais, emocionais e os distúrbios neuropsiquiátricos associados irão exigir aconselhamento especializado por parte do neuropediatra, neuropsicólogo e psicólogo/psiquiatra, num trabalho conjunto e coordenado com a criança, a família e a escola, de forma a evitar que se tornem estigmatizantes e provoquem mais sofrimento16.

BIBLIOGRAFIA

1. Duque P. Neuropsicología Funcional NEF®. Una breve reflexión. Editorial Leiendo; 2020.

2. Wingeier K, Giger E, Strozzi S, Kreis R, Joncourt F, Conrad B, et al. Neuropsychological impairments and the impact of dystrophin mutations on general cognitive functioning of patients with Duchenne muscular dystrophy. J Clin Neurosci. 2011;18:90-5.

3. Wicksell RK, Kihlgren M, Melin L, Eeg-Olofsson O. Specific cognitive deficits are common in children with Duchenne muscular dystrophy. Dev Med Child Neurol. 2004;46:154-9.

4. Duque P, Madruga M, et al. Estudio sobre la función neu­rocognitiva en pacientes con DMD. Código DMD-2019.En prensa.

5. FEX. Batería de exploración neurocognitiva de las funciones prefrontales en edad pediátrica. Ineuro Ediciones; 2021.

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8. Angelini C, Pinzan E. Advances in imaging of brain abnormalities in neuromuscular disease. Ther Adv Neurol Disord. 2019;12: 1756286419845567.

9. Connolly AM, Florence JM, Cradock MM, Eagle M, Flanigan KM, McDonald CM, et al. One year outcome of boys with Duchenne muscular dystrophy using the Bayley-III scales of infant and toddler development. Pediatr Neurol. 2014;50:557-63.

10. Rolland JS. Familias, enfermedad y discapacidad. Una propuesta desde la terapia sistémica. Editorial Gedisa; 2000.

11. Bendixen R, Houtrow A. Parental reflections on the diagnostic process for Duchenne muscular dystrophy: A qualitative study. J Pediatr Health Care. 2016;31(3):285-92.

12. Ueda Y, Suwazono S, Maedo S, Higuchi I. Profile of cognitive function in adults with Duchenne muscular dystrophy. Brain Dev. 2017;39:225-30.

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15. Travlos V, Bulsara C, Patman S, Downs J. A fine balance and a shared learning journey: Exploring healthcare engagement through the experiences of youth with neuromuscular disorders. NeuroRehabilitation. 2016;39:519-34.

16. Hendriksen J, Hendriksen R, Kuijer J, Vroom E. The psychology of Duchenne muscular dystrophy [Internet]. J Hendriksen & Parent Project Production; 2011. Disponible en: https://www.parentprojectmd.org/wp-content/uploads/2018/04/Psychology_of_Duchenne.pdf